O tempo não para


No último final de semana Palmeiras e Flamengo jogaram pela terceira rodada do Brasileirão 2024. O jogo entre os clubes mais vitoriosos dos últimos anos estava cheio de expectativas mas, infelizmente, não foram atendidas em termos de qualidade coletiva e desempenho individual dos principais jogadores de ataque e criação.

O primeiro ponto a ser criticado é marcar este jogo tão cheio de expectativas  para a terceira rodada, num momento onde o campeonato ainda está no início. Como produto este tipo de jogo deveria ser marcado para a segunda metade do turno, onde possivelmente seria um jogo muito mais interessante devido uma disputa pelas primeiras colocações e também pelo campeonato estar mais "quente".

O segundo ponto que foi uma surpresa foi o Flamengo deixar Pedro e Nicolás de la Cruz no banco de reservas, o que também foi uma percepção negativa por parte dos espectadores que esperavam os dois clubes com sua força máxima.

Na entrevista coletiva pós jogo, Fábio Mahseredjian, preparador físico do Flamengo, comentou sobre pesquisas científicas demonstrando que uma sequencia longa de semanas com 2 jogos aumenta a probabilidade de lesões, e a comissão técnica levou esses dados em conta para tirar os dois titulares do início da partida.

O treinador Abel Ferreira do Palmeiras comentou que Rafael Veiga, seu principal meia, está jogando no sacrifício pelo desgaste e que outros jogadores também estão entrando nos jogos com 50% da sua energia devido a sequencia de jogos.

No mesmo horário onde tivemos o El Clássico, entre Real Madrid e Barcelona, com 5 gols e muita emoção, no Brasil o jogo de maior rivalidade da atualidade foi muito frustrante e podemos considerar que uma parte relevante dessa frustração pode ter sido devido às questões físicas dos jogadores.

As perguntas que surgiram após esses fatos foram as seguintes:

Qual é a diferença do número de jogos entre os campeões nacionais da temporada anterior da Europa e do Brasil considerando o período de 13 semanas iniciais da temporada?

Qual o número de semanas cheias (2 jogos/semana) entre os campeões nacionais da temporada anterior da Europa e do Brasil considerando o período de 13 semanas iniciais da temporada?

Quais as possíveis influências dessas diferenças na performance e na qualidade dos jogos do futebol brasileiro?

Seguem os dados:

Clube

Total

Semanas livres

Semanas cheias

Palmeiras

22

3

9

Flamengo

20

5

6

Manchester City

18 4 5

Bayer Munique

18

4

6

Real Madrid

17

5

5

Inter de Milão

17

5

5

PSG

16

6

4

* Fonte: https://www.worldfootball.net

OBS 1: não foram consideradas semanas livres as datas Fifa de outubro e novembro de 2023

OBS 2: não foi considerado semana livre a data Fifa de março de 2024

OBS 3: No caso Flamengo, devido pré-temporada na Flórida, foram considerados os jogos a partir de 31/1

Podemos observar na tabela acima que o Palmeiras jogou 4 jogos a mais que o Manchester City e o Bayer de Munique, clubes europeus com mais partidas disputadas no mesmo período. O Flamengo jogou 2 jogos a mais que os ingleses e alemães.

Quando comparamos com os campeões nacionais das outras 4 ligas do Top 5 europeu a diferença é ainda maior. No mesmo período o Palmeiras disputou 5 partidas a mais que Real Madrid e Inter de Milão e 6 a mais que o PSG. Já o Flamengo jogou e partidas a mais que Real Madrid e Inter de Milão e 4 a mais que o PSG.

Em termos de semanas cheias, o Palmeiras teve 9 semanas sem folga, 50% a mais do que o próprio Flamengo e os europeus. São nas semanas livres que os clubes recuperam fisicamente seus atletas além de aprimorar a parte tática e técnica dos seus jogadores, o que provavelmente pode elevar a qualidade e a intensidade dos jogos, algo que conseguimos perceber ao comparar os jogos do Brasil com os europeus.

Esses dados podem demonstrar uma parte do que o treinador do Palmeiras mencionou na coletiva pós-jogo, onde ele informou que vários jogadores estão entrando com 50% da sua energia. Pelo lado do Flamengo, apesar de ter conseguido 5 semanas livres, ainda assim serão 7 semanas cheias, mais do que qualquer clube europeu.

Além dos dados acima, podemos considerar outros duas variáveis:

1) Férias e Pré Temporada

Na tabela abaixo podemos verificar o intervalo entre o último jogo de cada clube na temporada anterior e o primeiro jogo da nova temporada:

Liga

Último jogo

Primeiro Jogo

Semanas

Manchester City 

10/jun

06/ago

08

Bayer Munique

27/mai

12/ago

11

Real Madrid

04/jun

11/ago

10
Inter de Milão

10/jun

19/ago

10

PSG

03/jun

12/ago

10

Palmeiras         

           06/dez                  21/jan
              06

Considerando 4 semanas de férias, é possível verificar que o  Palmeiras teve 2 semanas a menos de pré-temporada do que o Manchester City, 4 semanas a menos que Real Madrid, Inter de Milão e PSG e 5 a menos que o Bayer de Munique. O Flamengo, apesar de ter efetuado o primeiro jogo no dia 17/jan, fez uma parte da pré-temporada na Flórida entre 18 e 30 de janeiro, portanto podemos considerar que foram 8 semanas entre férias e pré-temporada, similar ao Manchester City.

2) Distâncias percorridas e altitude

Apesar de boa parte das primeiras 13 semanas da temporada terem sido dedicadas aos estaduais, onde as distâncias são mais curtas, a partir da primeira semana de abril começaram as viagens mais longas devido a Copa Libertadores da América e Brasileirão.

No Brasileirão as distâncias podem chegar entre 3 a 4 horas de vôo para os clubes do sudeste, além de viagens de 6 horas para outros países do continente, sem contar jogos na altitude, como Flamengo e Palmeiras irão fazer no meio desta semana.

Conclusões

Os dados demonstram que Palmeiras e Flamengo jogaram respectivamente 4 e 2 partidas a mais que os dois clubes europeus com mais partidas no mesmo período. O Palmeiras foi o clube que teve mais semanas cheias e menos semanas livre do que os demais clubes comparados. Já o Flamengo, apesar de ter mais semanas livres do que Manchester City e Bayer de Munique, foi o segundo clube com mais semanas cheias, empatado com o clube alemão.

Basado nesses fatos é possível compreender que os treinadores dos clubes brasileiros, muito mais do que aprimorarem a qualidade e a melhoria de performance dos seus atletas, primeiro precisam priorizar decisões de fisiologistas e preparadores físicos para escalar os titulares em cada partida. Em tese não daria para exigir nível top de desempenho e qualidade e os melhores treinadores são aqueles que conseguem gerir essas variáveis durante a temporada, e mesmo assim sem garantia de título.

Ainda espero que um dia este cenário mude, e possamos ver jogos com muito melhor qualidade e intensidade com uma melhoria no calendário como foi o El Clásssico e, desta forma, aproximar e até ultrapassar algum das ligas Top 5 da Europa tanto em nível técnico e de atratividade, bem como de faturamento.

Parafraseando Cazuza, transformaram o calendário brasileiro num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro. Infelizmente ainda vemos o futuro repetir o passado, um museu de grandes novidades, mas sempre é tempo de reivindicar as mudanças, pois ainda estão rolando os dados.

Atualmente parece que o tempo não para, não para não, não para!




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