A primeira parte da análise foi descritiva, com dados e
informações para consultas e avaliações. Na segunda parte procurei detectar
quais clubes mais impactaram no aumento de público recorde em 2023 além de ser
possível definir o Grupo dos Sete, os clubes que estão dando sustentação para
que haja um incremento na média de público.
Na terceira parte procurarei levantar as possíveis hipóteses que podem ser as causas do sucesso de público. Parte das hipóteses foram mencionadas em duas reportagens exibidas pele Rede Globo no Jornal Hoje e no Esporte Espetacular onde pude contribuir com algumas informações.
1) Preço dos ingressos
Questões sócio econômicas sempre impactam no poder de compra
de qualquer país, incluindo a compra de ingressos para jogos de futebol. Tem sido
comum escutarmos que os preços dos ingressos afastaram o torcedor dos estádios
e, principalmente das novas arenas e, devido a essa questão dos preços, o
público nos estádios é baixo.
Vejamos na tabela abaixo a evolução do ticket médio em
relação à média de público pagante:
2017 |
2018 |
2019 |
2022 |
2023 |
|
Ticket Médio |
34,32 |
30,39 |
34,96 |
39,81 |
51,66 |
Salário Mínimo |
937,00 |
954,00 |
998,00 |
1.212,00 |
1.320,00 |
TM / SM |
27 |
31 |
28 |
30 |
25 |
Média (mil/jogo) |
15.968 |
18.840 |
21.236 |
20.715 |
26.511 |
A tabela acima demonstra que o aumento do ticket médio não reprimiu a demanda, mostrando que o ticket médio mais elevado desde 2017 gerou a maior média de público do Brasileirão, gerando a impressão que o produto ofertado teve um valor percebido mais elevado do que as edições anteriores.
Mesmo com ticket médio mais caro houve grande aumento de público, podendo ter afastado a classe mais pobres da população. Partindo dessa observação é possível levantar a hipótese que as classes sociais mais elevadas podem estar sendo atraídas para os jogos e esse perfil de torcedor demanda por outros tipos de experiências do usuário e que o fenômeno da “arenização” pode ser a responsável.
2) Arenização
Como mencionei nas reportagens
que foram ao ar na TV Globo, a “arenização” pode ter atraído para os jogos um
perfil de torcedores que anteriormente não iam aos jogos.
A tabela abaixo mostra a evolução
da média de público total desde 2012, antes da inauguração das arenas para a
Copa da Confederação e Copa do Mundo:
Ano |
Média |
Ticket Médio |
2012 |
13.224 |
24,13 |
2013 |
15.144 |
31,07 |
2014 |
16.580 |
34,75 |
2015 |
17.133 |
37,05 |
2016 |
15.470 |
35,41 |
2017 |
16.104 |
34,32 |
2018 |
19.091 |
30,39 |
2019 |
22.434 |
34,96 |
2022 |
21.646 |
39,81 |
2023 |
27.753 |
51,66 |
Com a inauguração de
algumas arenas para a Copa das Confederações em 2013 já houve um incremento na
média de público e no ticket médio, fato que novamente ocorreu em 2014 após a
Copa do Mundo e também mais um incremento em 2015.
Podemos considerar esses três anos como o fenômeno “Lua de
Mel com a Nova Arena”, algo recorrente em vários países pois a nova arena atrai
a curiosidade dos torcedores em conhecer a nova casa, as novas experiências,
etc.
Após 2015 houve uma queda tanto na média de público como no
ticket médio, e esse fenômeno é normal pois acabou o efeito novidade e a “Lua
de Mel com a Nova Arena” foi perdendo impacto.
A partir de 2018, quando percebemos um salto mais consistente
das médias de público, não é possível apontar apenas para o fenômeno da
“arenização” como um fator preponderante, pois praticamente todas arenas foram
inauguradas até 2014, por outro lado, é
possível mencionar que as novas arenas atraíram um novo público aos jogos.
A tabela abaixo mostra a diferença das médias de público total nas arenas e nos estádios a partir de 2014:
Ano |
Média |
Arena |
Estádio |
2014 |
16.580 |
22.445 |
12.355 |
2015 |
17.133 |
23.717 |
11.091 |
2016 |
15.470 |
21.549 |
10.453 |
2017 |
16.104 |
20.479 |
12.530 |
2018 |
19.091 |
22.072 |
14.061 |
2019 |
22.434 |
26.764 |
14.828 |
2022 |
21.646 |
28.015 |
12.219 |
2023 |
27.753 |
31.608 |
18.221 |
Na tabela acima é possível perceber que as arenas atraíram mais público dos que os estádios, mas também vale ressaltar que, com exceção do São Paulo, a grande maioria dos clubes mais populares jogam em arenas, que possuem maior capacidade que os estádios.
A “arenização” pode ser considerado um fator estruturante para que o incremento de público ocorresse de forma robusta e, como mencionado acima, deve estar atraindo novos públicos, muitas vezes com objetivos mais amplos do que apenas com a vitória do seu time, com foco no entretenimento, experiências, turismo, postagem nas redes sociais, relacionamento com clientes, passeio com familiares entre outros.
3) Sócio Torcedor
O programa de sócio torcedor ganhou força na década passada
fomentada pela Inbev, visando trocar pontos por produtos da empresa em vários
pontos de venda. Aos poucos os clubes começaram a implementar seus próprios
planos em parceria com empresas do segmento esportivo e foram
saindo do projeto com a Inbev.
No novo modelo, a grande maioria dos planos foi focar na
prioridade e em descontos no preço dos ingressos e esse é o valor percebido
mais consolidado entre os planos disponíveis. Atualmente vários clubes possuem
alta porcentagem de sócios torcedores nos jogos, sendo ,para muitos, a grande
maioria dos presentes, conforme a tabela abaixo:
N Clubes |
2017 |
2018 |
2019 |
2022 |
2023 |
> 80% |
2 |
0 |
0 |
3 |
2 |
70 a 80% |
2 |
2 |
2 |
1 |
2 |
60 a 70% |
1 |
2 |
4 |
3 |
1 |
50 a 60% |
4 |
3 |
2 |
2 |
6 |
< 50% |
11 |
13 |
12 |
11 |
9 |
% ST / Público |
47% |
47% |
45% |
52% |
52% |
A tabela acima mostra que a % de sócios torcedores x público total é
bastante relevante desde 2017 com um incremento de 5 pontos percentuais em
2022, similar a 2023.
Proporcionalmente a 2022 não há um impacto dos sócios
torcedores sobre o público total em 2023, mas, por outro lado, pela primeira
vez foram 11 clubes acima dos 50% de sócios torcedores nos estádios e arenas,
triplicando o número de clubes nesta faixa.
A cada ano os clubes estão buscando aprimorar os planos,
cada um com diferentes estratégias e é possível afirmar que, sem os planos de
sócios torcedores, provavelmente não haveria incremento da presença de público.
Juntamente com a “arenização”, o plano de sócio torcedor também é estruturante para o aumento de público no Brasileirão sendo possível concluir que as novas arenas estão atraindo novos públicos com maior poder aquisitivo e os planos de sócios estão atraindo os torcedores mais leais. A soma dos dois fatores podem ser as principais causas deste novo fenômeno.
4) Estrelas internacionais
Muito foi comentado sobre a vinda de jogadores internacionais
como atrativo. A vinda de Luis Suárez, James Rodriguez, Lucas Moura, Marcelo e
Enner Valencia foram as mais impactantes.
Destes cinco grandes nomes é possível afirmar que o jogador
que pode ter causado maior impacto na presença do torcedor foi Luis Suárez no
Grêmio. Como informado na segunda parte da análise, o Grêmio teve a maior
presença de público dos últimos 10 anos.
A volta da Série B e a disputa pelo G4 e pelo título também
são fatores que não se pode deixar de incluir na avaliação, mas a passagem de
Suárez pelo tricolor gaúcho foi marcante e impactante tanto dentro como fora de
campo. O Grêmio teve o terceiro melhor ticket médio da competição, aumento do
número de sócios torcedores entre outros ganhos.
Dos outros quatro jogadores, houve um incremento de média de
público de 15% nos jogos do Internacional após a estreia de Enner Valência,
portanto é um sinal que pode ter causado algum impacto na presença do torcedor
colorado nos jogos no Beira Rio.
No caso do São Paulo e do Fluminense, não foi possível detectar alterações no comportamento do torcedor dos dois tricolores com a chegada das suas estrelas ao elenco.
5) Qualidade dos jogos
Em algumas matérias sobre o aumento da média de público no
Brasileirão de 2023 foi comentado que a qualidade das partidas também pode ter
impactado na presença de público.
Vários especialistas sobre o tema comentaram durante toda a
competição que essa edição foi uma das melhores em termos de qualidade.
Jogadores de melhor qualidade e/ou estrelas podem estar produzindo um jogo de melhor nível, o que pode ter atraído mais torcedores aos jogos pela qualidade do produto ofertado. Um dado interessante que pode corroborar com essa hipótese é a média de gols. Em 2023 a média de 2,49 gols/jogo foi a maior desde 2011.
6) Treze Maiores Torcidas
O impacto das 13 maiores torcidas precisa ser melhor
definido. Ao se considerar as 13 maiores torcidas do país disputando a
competição não houve grandes mudanças na média de público, mas ao incluir no
grupo o Ceará e o Fortaleza, o impacto é mais significante, como foi possível
perceber a partir de 2018.
Em 2019, maior média de público dos pontos corridos até 2023, era
exatamente o cenário acima, com as 13 maiores torcidas do país mais Ceará e
Fortaleza na competição.
Em 2023 o Ceará foi rebaixado, mas os recordes de público de
Bahia, Cruzeiro, Grêmio e Botafogo, somado ao Grupo dos Sete, foram impactantes
para a altíssima média de público.
Portanto, o que mais impactou não foram as 13 maiores
torcidas disputando a competição, mas os estádios com maior capacidade
atingindo elevadas taxas de ocupação. Nesse cenário, a presença da torcida do
Fortaleza foi fundamental, algo que não se pode observar com a torcida do
Santos, que mandou seus jogos na Vila Belmiro, que tem capacidade bem inferior
ao Castelão.
Conclusões:
Baseado nos seis itens acima explanados, a questão é: quais
os motivos que levaram os torcedores de vários clubes aos jogos mesmo sem
grandes expectativas de disputas na competição?
Não é possível afirmar categoricamente os fatores, mas as possíveis hipóteses a serem aprofundadas são as seguintes:
- Os planos de sócios torcedores são fundamentais para que as médias de público sejam mais elevadas devido atrair torcedores mais leais e os que buscam prioridade, descontos e gratuidade nos ingressos;
- A “arenização” está atraindo novos públicos, principalmente os menos leais, de classes sociais mais elevadas e que podem estar indo aos jogos por outros motivos como entretenimento, experiências, socialização, negócios entre outros;
- As novas gerações têm comportamento mais fluidos, como definido pelo Sports Innovation Lab, e para esses jovens a busca de novas experiências de lazer, entretenimento, hedonismo, fazer postagens nas redes sociais, podem atrair esse público para os jogos, principalmente nas arenas;
- Estudos mostram que arenas e estádios cheios acabam atraindo mais torcedores aos jogos, gerando o efeito FOMO (Fear of missing out), em tradução livre “não querer ficar de fora”. Esse fenômeno pode causar um efeito dominó, e pode ter se espalhado nas várias torcidas do Brasil;
- A soma dos torcedores mais leais (sócios torcedores) com novos públicos (menos leais, novas gerações, efeito FOMO) que são atraídos pelas novas arenas é o caminho mais provável para esse fenômeno;
- Quanto maior a quantidade de clubes na competição que tenham grandes torcidas em cidades com grandes arenas e com grande número de sócios torcedores, maior a média de público;
- Quanto maior a qualidade das partidas e a presença de jogadores estrelas, maior a média de público.
Essas pistas devem ser aprofundadas separadamente e em
alguma parte do caminho é muito provável que se cruzem, formando um emaranhado
de tramas que precisam ser estudadas com mais detalhes e rigor.
Um ponto de observação importante é avaliar se esse fenômeno
em 2023 foi uma exceção ou se repetirá nos próximos anos.
Para um trabalho mais criterioso e metódico em breve estarei
publicando um artigo científico sobre o tema.
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