O desumano calendário do futebol brasileiro

Com o encerramento da temporada 2023 do futebol brasileiro este é o momento de balanços, análises, avaliações e publicações de dados.

Já ficou recorrente reclamações de Abel Ferreira, Eduardo Coudet, Muricy Ramalho entre outros treinadores, sobre o excesso de jogos no calendário do futebol brasileiro e este tema sempre acaba voltando ao debate mas sem uma análise mais aprofundada.

Para uma visão geral dos calendário, segue abaixo o número de datas das equipes do futebol brasileiro em comparação com as ligas europeias com 20 equipes na primeira divisão:

OBS: Foi considerado uma média de 15 datas para os estaduais pois  existem alguns campeonatos com mais e outros com menos datas.

O cenário acima já demonstra como os clubes brasileiros possuem um calendário bem mais extenso do que os ingleses, país com maior calendário na Europa.

Ao se considerar os clubes que entram na primeira rodada da Copa do Brasil são mais duas datas. Além disso existem 4 datas adicionais para os clubes que jogam a fase pré Libertadores e também outas duas datas para os clubes que terminarem em terceiro lugar dos seus respectivos grupos da Libertadores e que disputam uma fase de play off com os segundos colocados dos grupos da Sulamericana para seguirem para as oitavas de final da Sulamericana. 

Para os clubes que disputam a Copa do Nordeste o cenário é ainda mais complicado, pois são mais 12 datas. O campeonato pernambucano mantém 15 datas, o baiano tem 13 datas e o cearense são 9 datas. Portanto, para um clube nordestino, além das distâncias serem maiores, ainda possuem um calendário mais apertado no primeiro semestre.

Para os clubes da região Centro Oeste que disputam a Copa Verde o cenário não é muito diferente, pois o campeonato goiano é disputado em 17 datas, o de Mato Grosso são 13 datas além de 7 datas para a Copa Regional.

Com o número total de datas acima apresentados e as possíveis datas adicionais de acordo com a classificação no Brasileirão do ano anterior ou das Copas Regionais e Continentais da própria temporada, segue abaixo o ranking com os 23 clubes que mais jogaram na temporada 2023 do futebol brasileiro e da temporada 22/23 da Europa:

Posição	Clube	Jogos
1	Fortaleza	78
2	Flamengo	74
3	Palmeiras	73
4	Corinthians	73
5	Botafogo	73
6	Sport	73
7	Fluminense	72
8	São Paulo	71
9	América MG	70
10	Athletico	69
11	Internacional	67
12	Bahia	67
13	Atlético Mineiro	66
14	Goiás	64
15	ABC	62
16	Santos	62
17	Bragantino	62
18	Manchester United	62
19	CRB	62
20	Ceará	61
21	Manchester City	61
22	Grêmio	61
23	Real Madrid	61

Entre os 23 clubes apenas 3 são europeus. O Manchester United com 62 jogos, é o clube europeu com mais jogos disputados, seguidos do Manchester City e do Real Madrid com 62 jogos.

O Unided chegou à final das duas copas nacionais e à semifinal da Europa League. Já o Manchester City chegou à final  da Copa da Inglaterra e da Champions League. Já o Real Madrid chegou à final da Copa do Rei, à semifinal da Champions League, além de disputar 2 jogos pela Supercopa da Espanha e do Mundial de Cubes da Fifa.

Portanto, os clubes europeus que mais disputam jogos na temporada são os mais fortes pois chegam às fases decisivas das Copas Nacionais e Continentais.

Ao se avaliar os clubes brasileiros é possível perceber que o Fortaleza, clube que com maior número de jogos do mundo em 2023,  jogou incríveis 16 jogos a mais que o Manchester United. Os cearenses chegaram à este insano número pois disputaram a final do estadual, final da Copa Sulamericana, semifinal da Copa do Nordeste além dos 4 jogos da fase pré Libertadores. Tudo isso numa região que exige viagens muito mais longas do que os clubes do Sudeste do país.

O top 3 mundial se completa com Flamengo, que chegou à final do estadual e da Copa do Brasil e o Palmeiras, que chegou à final do Estadual e à semifinal da Copa Libertadores. Por outro lado, Corinthians e Botafogo, que também disputaram 73 jogos na temporada, não disputaram nenhuma final e mesmo assim jogaram em excesso.

Chama a atenção três clubes da Série B terem jogados mais do que o Campeão Europeu: Sport, ABC e CRB. O caso desses três clubes é devido chegaram às finais dos estaduais e também jogarem as fases finais da Copa do Nordeste.

Clubes com América Mineiro, Goiás e Bahia, que também disputaram as finais dos seus respectivos estaduais além do Goiás ter disputado a final da Copa Verde jogaram muito mais que a maioria dos gigantes europeus.

Esse insano cenário só comprova como é muito desafiador gerir um elenco no futebol brasileiro, que extremamente exigente com resultados mas, para se manter elencos com muitos jogadores, se exige alto custo tanto em qualidade ou em número elevado de jogadores para conseguirem disputar todas as competições.

Muitos criticam a postura de vários clubes que acabam priorizando as Copas ao invés do campeonato brasileiro mas, devido o cenário desafiador que se apresenta na temporada, fica complicado fazer qualquer juízo de valor nas tomadas de decisão dos gestores.

Apesar da qualidade dos jogos no Brasil terem se elevado na última temporada, ainda seria possível ter muito mais jogos com maior intensidade e qualidade caso tivéssemos uma redução de jogos no calendário.

A segunda metade do ranking escancara a ainda mais a situação, pois os demais clubes da série B disputaram muito mais jogos que os gigantes da Europa:

Posição	Clube	Jogos
24	Ponte Preta	59
25	Novorizintino	59
26	Atlético Goianiense	57
27	Cuiabá	57
28	Inter de Milão	57
29	Criciúma	57
30	Sampaio Correa	57
31	Juventus	56
32	Vitória	56
33	Vila Nova	56
34	Ituano	56
35	Coritiba	55
36	Roma	55
37	Botafogo RP	55
38	Tombense	54
39	Barcelona	53
40	Vasco da Gama	53
41	Nantes	53
42	Avaí	52
43	Milan	52
44	Cruzeiro	52
45	Mirassol	52
46	Chapecoense	52
47	Liverpool	51
48	Sevilla	51
49	Guarani	51
50	Chealsea	50
51	Tottenham	50
52	Juventude	50
53	Londrina	50
54	Atlético Madrid	49
55	Napoli	49
56	Arsenal	49
57	PSG	48
58	Lazio	46

Clubes da Série B jogaram mais que a Inter de Milão, finalista da Champions League e da Copa da Itália. Roma e Sevilla, finalistas da Europa League, também jogaram muito menos que a grande maioria dos clubes que disputaram a Série B do Brasileirão.

Na segunda metade do ranking mais uma vez podemos observar que os clubes europeus que mais jogaram foram aqueles que chegaram às fases mais agudas das Copas Nacionais ou Continentais, diferentemente dos clubes da Série B do Brasileirão.

O tema calendário precisa a voltar a ser debatido com mais seriedade por parte dos dirigentes pois estamos vendo um aumento de público nos jogos, melhoria da qualidade das partidas, melhoria da experiência do torcedor nas arenas que pode ser uma semente de uma crescimento sustentável do público nos jogos bem como maior audiência pela TV, mas há um risco de tudo isso ser perdido por falta de uma visão mais racional do calendário.

Propostas racionais e inteligentes já foram muito bem desenhadas, inclusive fiz parte de uma delas no projeto do Futbox e é necessário que com a eventual formação de uma liga nacional, este tema seja profundamente debatido para que o produto futebol brasileiro seja muito mais valorizado, conseguindo aproveitar todo o potencial e demanda reprimida para consumo em várias maneiras.